"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música." Nietzsche

Formspring

sábado, 9 de julho de 2011

Da série: Desabafos de uma Educadora em Crise


A PAGAR SEM VER*

Estou num hospital público, em Alagoinhas, com o meu avô. Há quatro dias ele quebrou o fêmur. Antes de ser internado passou a noite, e parte do dia, no corredor perto da sala de reanimação, sem vaga nos quartos. Agora está na enfermaria, e pode ter um acompanhante, que por sua vez "dorme" numa cadeira plástica, da qual escrevo agora. Outra acompanhante deste quarto, aproveita um leito provisoriamente vago, levanta o colchão e deita. Desde quarta está aqui com seu pai, submetida à cadeira.

(... a cadeira)

(Iolanda tirando um cochilo.)

No quarto mais adiante, uma freira passou dois dias sem comer, porque iria fazer uma cirurgia, depois desmarcada pelos médicos. O ambiente é limpo, tem remédio, monitoramento, mas ainda falta muito para termos uma saúde digna.

Essas dores do Brasil profundo não são sentidas pelas elites (política e econômica) deste país, os gritos não são ouvidos, e alguns ainda arrogam ter o direito de falar contra os míseros direitos alcançados pelos nosso povo, como o Bolsa Família. Bolsa Família não é a solução para os problemas do Brasil, sabemos, mas não é o problema do Brasil, para ocupar as pautas das pessoas e da mídia, distraindo das causas de todos estes males. 

Quer saber da realidade da maior parte do povo brasileiro? Vá às filas do INSS, vá aos hospitais públicos, vá aos fóruns (cemitérios de processos) falar com os brasileiros que precisam da justiça, vá às escolas públicas sem professores... Se permita ir ao  encontro do Brasil fora dos postais. 

O nosso país tem uma pujança incrível, que suportou três séculos de colonização, décadas de ditadura, uma elite porcamente corrupta, e ainda o faz materialmente rico. Porém, ser materialmente rico só agrava a responsabilidade de quem assiste seu povo nas filas dos hospitais, na espera da Educação de qualidade, no acesso efetivo à justiça, na busca pela dignidade da pessoa humana, pedra fundamental da nossa Constituição. 

Aqui desta cadeira desconfortável de um hospital público, em qualquer lugar que esteja, me sinto responsável, busco fazer a minha parte. Neste momento, me cabe passar a noite ao lado de José Rodrigues de Matos, 83 anos, brasileiro, agricultor, aposentado que recebe um salário mínimo por mês, e ora dorme, sem saber o quão ingrato é o seu país.


*"A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada
Antes de eu nascer...
Brasil."


(Cazuza!)

4 comentários:

marcia disse...

triste relato prima..e é pior ainda quando passamos por esse desrespeito na saúde..hoje deveriamos chamar a saúde de doença,por esta tao destruidora da alma ,do respeito proprio..vejo isso diariamente e doi, doi mais ainda de saber que poderia seu eu,voçê ou os nossos...que jesus tenha piedade de nós..melhoras pra vovô..bjos marcia

Anônimo disse...

vivemos em um jogo de capital,em que os pobres são manipulados por os ricos como peões de xadrez.Qem perdemos somos nós,por aceitar a atual situacão da saúde brasileira.

Jaira disse...

Triste realidade...e a Bahia chorando pq ñ vai poder votar em cyclone.

Rebeca Schleier disse...

a que ponto chegamos :/