"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música." Nietzsche

Formspring

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

CRÔNICAS RIBEIRENSES

Quando a trovoada chegava, vovô se escondia atrás da porta da casa de telhas. Havia uma sensação de segurança inexplicável naquele cantinho, tão protegido quanto a casa inteira. Nas nossas cabeças educadas pelo viés religioso dos pecados merecedores de lições, os céus pareciam reclamar de alguma coisa, com aquela voz rouca, grave e forte dos trovões! Nos cômodos, espelhos sempre cobertos, quietude, como se falar fosse sinal de afronta à bronca que estávamos recebendo. No máximo sussurrávamos o nosso medo uns para os outros.

Ao cessar a tempestade saíamos para olhar o estrago, mas o que sentíamos era o frescor da terra e das plantas molhadas, víamos galinhas balançando as penas para se secarem mais rápido e riachos provisórios fazendo fenda no terreiro, da água que ainda escorria. A vida seguia como costuma seguir, a despeito de qualquer susto que a priori nos desagrade, com a sua inexorável e desafiadora lógica.   

Da minha parte sempre tive medo das forças da natureza, mais até do que de gente malvada, mas diferente de vovô, que de menino aos cabelos brancos acredita no detrás da porta para se proteger, vejo parcas e provisórias formas de proteção à fragilidade humana. Seres reféns do medo e da culpa, donos de tantas verdades aparentes e habitados por tantas dúvidas, efêmeros como os raios, trovões e tempestades.

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