"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música." Nietzsche

Formspring

sábado, 27 de fevereiro de 2016

CRÔNICAS RIBEIRENSES

Durante muito tempo os fogos que pipocavam no céu sertanejo da nossa terra, tinham como função anunciar festejos religiosos. Reza de Dona Raimunda, reza de Dona Menininha, reza de Dona Rolinha, reza da Biçanga, reza de Dona Estelita, reza de Dona Maria do Supriano, reza do Demundo, reza da Capela do Socorro, festa de Santa Cruz, festa de Santa Rita, festa de Nossa Senhora do Amparo, festa de Santa Luzia. Muitas festas e festejos da fé.

Fui para muitos destes eventos. Lembro-me, por exemplo, que era uma pequena aventura ir para as rezas da zona rural. Seguíamos a pé sob a luz da lua, rindo e contando histórias do nosso dia a dia, tomando susto com vultos, dando pulos amedrontados com medo do galho que parecia uma cobra no chão. E rindo, rindo muito de tudo aquilo. Éramos felizes. 

A trilha sonora desta novela interiorana eram os foguetes baianos ou dos mais simples, uns azuizinhos, acompanhados da sonoridade da zabumba. Pena que o tempo passou e os fogos já não são sinônimo do sagrado, servindo aos interesses da pequeneza política local. Lamento que as nossas crianças não venham a ter lembranças poéticas, já sabem elas que tais fogos apenas pirraçam o adversário político com alguma novidade banal e ridícula.

A minha ruptura com o sentido positivo dos fogos se deu quando acordei com as telhas da minha casa quebrando, porque o grupo que havia acabado de ganhar a eleição, no final da década de 1990, resolveu comemorar em frente da igreja, contraditoriamente despejando todos os pistolões em cima dos adversários. Atordoada com o barulho e sem enxergar direito por causa da fumaça que invadia o quarto, senti a mão de Vovó tocar a minha perna, um carinho na tentativa de que não me assustasse tanto. 

Porém, era tarde. Ali os fogos foram dessacralizados. Até hoje o seu barulho me assusta, me irrita, me fere. São divulgadores de coisas ruins, não mais nos ensinam a ter fé, só incitam ódio e divisões, comemoram as desgraças da nossa terra, servem de gozo para os que vivem às custas do sofrimento de um povo. De um lado e de outro, desejo menos fogos, menos ódio, que possamos voltar juntos a um caminho como o das rezas, sob a luz da lua, rindo das nossas histórias e recuperando um pouco da felicidade perdida.

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